C.S. Lewis acreditava que uma história infanto-juvenil apreciada apenas por crianças e jovens era uma má história. Tchékhov foi um pouco mais longe... para ele, o problema não se limitava ao facto de haver histórias infantis que não apelavam ao interesse dos adultos (as tais da definição de Lewis para uma má história para crianças), mas que houvesse uma necessidade de leitura dedicada especificamente à infância e à juventude.
A 21 de janeiro de 1900, Tchékhov, doente e febril com uma gripe, escreveu a um amigo, Rossolimo, dizendo: "não sei escrever para crianças; os chamados livros infantis não me agradam nem acredito neles". Curiosamente, também Saramago afirmou não saber escrever para crianças, justamente no início de A Maior Flor do Mundo, um conto supostamente para crianças escrito por ele!
A Tchékhov a literatura infantil enquanto subgénero parecia uma construção artificial e desnecessária: os jovens deveriam ler o que os adultos reconhecem como boa literatura. Segundo ele, tem que ser o critério da importância da mensagem e não o da idade. Anderson, Gogol, são facilmente lidos tanto por crianças, como por jovens ou adultos. "Não se devem escrever livros para crianças, mas sem saber escolher entre tudo o que é escrito (nomeadamente para adultos) aquilo que lhes pode ser lido ou dado a ler". Em suma, Tchékhov acreditava não haver necessidade de inventar um tipo especial de literatura. O que é preciso é saber escolher.
Tchékhov não defendeu esta perspetiva por desprezo à infância, pelo contrário, fê-lo por respeito, recusando infantilizar o que não pode ser infantilizado. A analogia médica que Tchékhov usa na carta é bastante esclarecedora: "saber selecionar entre os medicamentos e administrá-los em doses adequadas é o método mais coerente do que inventar um remédio especial porque o doente é uma criança". A literatura infanto-juvenil era esse remédio. Não seria preciso fabricá-lo: bastaria dar às crianças e aos jovens as doses certas do que já existe ou poderá vir a existir.
Poder-se-á argumentar contra Tchékhov, sabendo (como sabemos) que há livros que foram escritos especificamente para um público infanto-juvenil. Pensemos, no entanto (e apenas para dar um exemplo), no livro Alice no País das Maravilhas.
Afonso Cruz, O Vício dos Livros