Foram muitos os trabalhos que chegaram à equipa da Biblioteca Escolar para participação no concurso "Contos de Fazer Tremer". Todos os participantes estão de parabéns pela qualidade das narrativas e pelo cumprimento escrupuloso dos requisitos elencados no Regulamento do Concurso.
Compete-nos, no entanto, destacar os trabalhos que mais se ajustaram aos critérios do Concurso, sobretudo pela originalidade, coerência discursiva e coesão textual. Assim sendo, eis a lista de vencedores:
- 1º Prémio: Patrícia Pinto
- 2º Prémio: Cristiano Faria Santos
- 3ª Prémio: Catarina Sousa Silva
- Menção honrosa: Cecília Fonseca
Os respetivos diplomas e prémio já foram distribuídos e ficam aqui exemplos de narrativas que, pela qualidade e mérito, se destacaram nesta iniciativa.
Um agradecimento muito sincero aos professores Ricardo, Henrique Santos, Branca Dias e Cláudia Georgina que integraram o painel de jurados.
FOME DE VIVER
O sr. James
sempre adorara plantas. Não tinha família, nem amigos e não se dava bem com os
vizinhos. Nem bem nem mal. Não se dava.
O amor da sua
vida era a sua estufa. Datada do século XVIII, feita em ferro forjado e vidro,
era o lugar da sua paz. Foi herança dos seus já falecidos pais, que a deixaram
ao Sr. James e ao seu irmão, que tinha ido para um país longínquo, no outro
lado do mundo, embora também lá se falasse inglês como em Londres, onde o sr.
James morava. O irmão tinha saltado para a terra dos cangurus e nunca mais
regressou.
A mais viva –
e muito viva – lembrança do irmão era uma planta que este lhe mandara, pouco
depois de ter chegado à Austrália. Quem é que manda, por encomenda postal, uma
planta num vaso? O mais estranho é que o Sr. James não gostava do irmão nem o
irmão gostava dele! Já tinham passado tantos anos desde de que se viram pela
última vez, que o Sr. James o chamava de “falecido”. E assim seguia a sua vida…
Só ele e as suas plantas. Na sua estufa havia plantas muito estranhas e
assustadoras. A planta que o sr. James recebeu do irmão, era ainda mais
estranha e assustadora do que as outras: tinha um caule verde escuro, folhas
ásperas com alguns picos muito afiados nas extremidades, e em cima parecia uma
“boca” muito fechada. A planta era mais ou menos pequena, mas ao longo do tempo
foi crescendo, crescendo e ficando cada vez maior… muito maior do que as outras
que havia na estufa!! Começava a parecer que a estufa era demasiado pequena
para uma planta de tal envergadura! A estufa era muito escura e tinha só com uma
luz fraca intermitente, tinha um odor a mofo e a humidade… Lá fora andavam
borboletas noturnas de asas muito negras; de vez em quando, durante o dia,
ouvia-se um zumbido súbito de uma abelha surgida do nada…No ponto mais alto da
parte interior do teto da estufa, com as vidraças baças revestidas a bolor
esverdeado, estava sempre uma coruja em cima de uma barra metálica enferrujada,
a vigiar. Mas quando a planta começou a ficar cada vez maior, a coruja, com os
seus olhos enormes e o brilho das suas penas negras, deixou de dar sinais…
Numa noite de tempestade, o sr. James foi à
estufa regar as plantas quando reparou que a planta estava maior do que o teto,
irrompendo pela claraboia de vidro, com um caule que mais parecia um tronco e
que a coruja tinha desaparecido… Como viu que a planta já rompera lá para fora,
tentou arranjar uma forma de ela ficar lá dentro. Quando o sr. James, munido de
uma escada, ia tentar pôr a planta lá dentro, reparou que a “boca” da planta
estava enorme, quase maior do que ele … Subitamente, numa velocidade que
desafia o som, a extremidade da planta que parecia um bivalve gigante com picos
aterradores abriu e fechou…com o Sr. James lá dentro!
Na pequena
vila de Ashford, um homem sem amigos e invisível para os vizinhos deixou de
regar as plantas. O ardina, madrugador, falava do roubo das joias da duquesa.
As senhoras punham as rendas para a missa de domingo, o pão já saía, quente e
fumegante, do forno.
Ninguém mais se lembrou do Sr.James. Ninguém? Na longínqua Austrália, um homem (parecido com ele) fumava o seu charuto com um sorriso maldoso no rosto…maldoso e mordaz, pois sabia que era uma questão de tempo até a carta com a notícia da sua herança chegar.
Patrícia Pinto
O Apartamento de Cima
Num prédio
de 8 andares, Joana morava sozinha no 7º andar. O apartamento de cima estava
vazio — o dono morrera meses antes, e nenhum dos herdeiros quis ir para lá ou
alugar.
Quase todas
as noites, por volta das três da manhã, ela ouvia passos. Passos oriundos do
andar de cima! O apartamento vazio. Sempre às três da manhã, passos, passos,
passos…
Lentos.
Pesados.
Uma vez,
cansada de perder o sono, subiu as escadas para reclamar. A porta do 8.02
estava trancada, a fechadura coberta de poeira. Havia uma teia de aranha que
unia a parede à maçaneta da porta. Nenhuma luz, nenhum som. Mas, quando
encostou o ouvido na madeira empoeirada da porta, ouviu algo lá dentro —
respiração. Alguém parecia arfar. Um a respiração difusa, mas próxima.
No dia
seguinte, chamou o porteiro, com o molho de chaves mestras a tilintar no cinto.
Ele subiu com ela, destrancou a porta… e o apartamento estava completamente
vazio!!!Sem móveis, sem luz, só marcas de pegadas no chão em direção à janela.
O porteiro
olhou para Joana com desdém. Detestava que o fizessem perder tempo. Joana riu,
nervosamente, dizendo que deviam ser coisas da sua cabeça.
Porém,
naquela mesma noite, os passos voltaram.
Dessa vez,
pararam exatamente acima da cama dela. Era como se o teto respirasse também.
Antes que se
conseguisse levantar, algo perpassou o teto , como se o teto fosse de vapor: um
vulto preto de olhos vermelhos que parecia uma aranha gigante de quatro patas.
Aterrorizada, Joana sentiu-se presa ao seu corpo. A criatura estava mesmo por
cima dela e Joana sentia um peso esmagador sobre si, mal conseguia respirar.
Joana fechou os olhos, em pânico, e tentou rezar.
Escuridão e silêncio.
Na manhã
seguinte, o porteiro estranhou a falta do “Bom dia” de Joana, que ia sempre
buscar pão de manhã. Todos os dias.
A porta do
8.02 continuava cheia de pó. A pequena teia estava intacta. Não se via a
aranha. Nem a Joana…
Cristiano Santos
O SEGREDO DO DESERTO
O calor tórrido dificultava as escavações… John, o responsável pela equipa de arqueólogos, respirava com dificuldade. O detetor de metais tinha desatado a emitir um som incessante! Algo havia de metálico debaixo daquelas areias…
Os elementos da equipa não pouparam esforços para desenterrar o que quer que fosse que estava -só Deus sabe há quanto tempo!- sob a superfície do deserto…
Descobriram, para seu espanto, uma caixinha de ouro (a fazer lembrar as caixas de música) com uma inscrição numa língua que ninguém conhecia!
A surpresa e a alegria foram gerais! Decidiram logo esconder bem a caixa para não serem roubados por “piratas” do deserto. E, sem demora, rumaram para os EUA. John pediu aos amigos para ficar com a caixa, pois era o aniversário da sua filha e ele queria dar de presente! Todos concordaram.
Mal o pai sabia que do erro terrível que estava a cometer!!!
A Mariah ficou contente e quis logo abrir. Devagarinho, levantou a tampa e a caixa… estava vazia, mas soltou um pó branco que a Mariah respirou… De imediato, desmaiou!... Quando recuperou a consciência, os pais, John e Ellen, viram uma frieza estranha no olhar da jovem! Além da frieza, os olhos estavam vermelhos, maiores e ela nunca pestanejava!
A mãe perguntou:
- Estás bem, filha?
A Mariah estava mesmo em frente à mãe e, de súbito, estava no canto oposto da sala!
-Estou! - respondeu com voz áspera. - Desde que não me chateias a cabeça, sua velha ridícula!
Ora a menina nunca tinha sido mal-educada… e aquela mudança súbita, repentina, inexplicável de lugar tinha sido deveras aterrorizante!
Assustado, o pai, que tinha acabado de entrar na sala, tentou impor a sua autoridade:
-Voltas a falar assim com a tua mãe e ficas de castigo (fechada no quarto) durante um mês!
Estranhamente, Mariah sorriu. Sorriu, não, riu em altas gargalhadas.
Porém o mais esquisito de tudo foi que as gargalhadas pareciam provir de muitas vozes: era uma gargalhada múltipla que emanava de uma só boca.
Os pais começaram a achar que aquela criatura não era a filha que sempre conheceram…
A mãe, que era muito crente em Deus, achou por bem levar a filha ao padre Michael, conhecido por resolver situações que os médicos não conseguiam nem solucionar, nem sequer diagnosticar.
- Atreva-se a tocar me! Desafio-vos! - trovejou “ Mariah”.
O pai tocou-lhe, ao de leve, e Mariah escaldava. Soltou, de novo, uma gargalhada horrível.
Mariah passou a estar sempre no quarto, na cama, mas nunca dormia.
Deixou também de falar com os pais: apenas os olhava com olhos de ódio. E nunca comia! Foi impossível levá-la até ao Padre Michael, mas este foi até ela. Ao vê-lo, Mariah primeiro insultou-o, mas, quando viu o crucifixo…
-Acorda, John! Acorda! - disseram os companheiros de expedição arqueológica - tiveste um golpe de calor e começaste a alucinar!
-O quê? Onde… onde estou? - perguntou, atordoado, John.
No deserto do Saara, há horas que estás a alucinar! Mexes-te e dizes
palavras imperceptíveis, - respondeu Charles, colega de expedição e melhor
amigo de John.
-Então eu nunca cheguei a sair daqui?
-Não! - disse Charles - falaste na tua filha, num tal de Michael, gritavas, mostravas-te agitado, mas estiveste sempre aqui, alucinado e febril…
Ainda confuso, John percebeu que tinha experimentado uma alucinação.
A caixa de ouro continuava no seu bolso, com os seus dizeres em árabe arcaico, cujo significado é “nunca me ABRAS, por proteção da tua alma.”
Na Idade Média, numa casa fria: fria ao ponto de fazer tremer, vivia um homem, um homem adulto, que fazia sempre as mesmas coisas: acordava, comia, trocava de roupa e ia para o trabalho. Voltava ao fim da tarde, jantava, lia um livro e ia dormir.
Certo dia, o primeiro em décadas em que se atrasou para o trabalho, arranjou-se à pressa, abriu a porta e, quando estava prestes a sair, disse:
— Oh, não! Esqueci-me do meu casaco.
Virou-se para o ir buscar e viu, pela primeira vez, um vulto.
No momento, teve uma ligeira impressão de já o ter visto antes. Mas não pensou muito: estava atrasado, não tinha tempo para isso.
Como não deu grande importância àquilo, seguiu a sua rotina normalmente, mas, lá no fundo, algo o inquietava. Passados alguns dias, enquanto se arrumava para o trabalho, ao olhar- se ao espelho, viu novamente aquela figura: uma coisa feia, disforme.
Ficou paralisado. Aquela coisa outra vez. Sentiu um medo aterrador, como se uma mão gelada lhe pousasse no ombro.
Desde então, passou a vê-la o tempo todo, sobretudo nos espelhos. Desesperado e apavorado, cobriu todos os espelhos da casa. Ainda assim, sentia-se ameaçado. O medo tomou conta de si.
Sem dormir há dias, exausto, acabou por adormecer. Ao acordar, deparou-se novamente com aquela coisa maligna, à beira da sua cama. Paralisado, sentiu um horror tão grande que mal conseguia respirar.
Nesse instante, uma lembrança veio à tona: aquela coisa já o atormentava desde a infância.
Assustado e temendo o pior, fechou os olhos, na esperança de que, ao abri-los novamente, a coisa já não estivesse lá.
Mas, infelizmente... estava. E a oficina onde o senhor trabalhava nunca mais contou com a sua presença...
Cecília Fonseca