Manuel António Pina, jornalista, escritor e dramaturgo de mérito incontestável e incontestado, escreveu um número vasto e valioso de obras: uma delas consiste no texto dramático Aquilo que os olhos veem ou O Adamastor.
Outro autor que dispensa apresentações, José Saramago, publicou a obra (que mais tarde foi adaptada para cinema) Ensaio sobre a Cegueira.
A alusão a estas obras remete para a relevância do que, não sendo visto, acontece. E é sobre isso que quero falar. Teatro não é a mera exposição de algo perante uma audiência. Teatro não é um conjunto arbitrário de adereços. Teatro não é competição. Teatro não é sobre o que é desta pessoa, daquela e daqueloutra. Teatro não é burocracia, papelada, regulamentos, listagens, tópicos estanques, espartilhados inflexíveis. Teatro é dádiva, entrega, colaboração, interajuda, equidade, respeito. E é pelo profundo respeito de todo um trabalho de bastidores, de memorização de texto, de ensaios que sacrificam intervalos e tempos livres e idas aos centros de estudo, de garantia de que há um elenco que sabe não só as suas réplicas, mas todo o texto principal e conteúdo das didascálias (até para que, caso falte alguém, haja quem avance com o texto sabido e toda a dinâmica teatral memorizada).
Esse é o meu entendimento de teatro. Teatro não é gritaria, nem desordem, nem caos. Teatro é paixão, entusiasmo, oportunidade de mostrar em palco aquilo de que se gosta tanto e que se faz tão bem, e que nem sempre se consegue mostrar... a escola tem de ser esse espaço: o espaço onde os alunos mostrem as suas aptidões fantásticas, os seus talentos, aquilo que os faz vibrar, para que essa semente possa crescer segundo os valores de se fazer aquilo que se ama e transformar esse dom numa dádiva a quem usufrui desse talento. O teatro não é um isto-agora-fica-assim. Teatro é trabalho. Consistente, persistente, tenaz. É nesse trabalho que radica o respeito por quem interpreta e por quem assiste. E o teatro não é só teatro: é texto, é música, é dança, é canção. Canção treinada até à náusea, porque é desse treino que vem o conhecimento. Esse mesmo conhecimento intrínseco às artes e que, não raro, é o parente pobre da eruditia do saber.
Por fim, teatro não é hipocrisia. Teatro é sermos o que fazemos e não o que dizemos. Teatro é encarnar valores e não desvirtuar meras palavras com sonoridade, mas sem referente na prática. Dizer o contrário do que se faz não funciona nem em palco, nem na vida. É ser mau ator... má atriz.
A todos os que ontem viram no sarau o culminar de muitas horas de esforço, enpenho, dedicação e tinham a serenidade de uma rede de apoio (sabendo que, se não pudessem estar presentes, estava salvaguardado quem substituiria), o meu profundo agradecimento, bem como a todo o público cuja paciência - reconheço - foi posta à prova, mas que se manteve até ao fim, brindando as atuações com um sentido aplauso. O meu profundo agradecimento ao avô das manas Portugal, que fez as delícias das crianças com uma aparição fantástica enquadrada na peça "Conversas entre Dentes". E essas também as houve... as que os olhos não viram e, felizmente, poucos ouvidos (lembremos que tímpanos não são caixotes de lixo!) ouviram.
A Professora Bibliotecária,
Sílvia Pinto