quarta-feira, 8 de março de 2023

DIA MUNDIAL DA MULHER - POEMAS

 POEMAS DEDICADOS À MULHER

          MULHER

Abre os olhos e encara a vida! A sina 

Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes! 

Por sobre lamaçais alteia pontes 

Com tuas mãos preciosas de menina. 


Nessa estrada da vida que fascina 

Caminha sempre em frente, além dos montes! 

Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes! 

Beija aqueles que a sorte te destina! 


Trata por tu a mais longínqua estrela, 

Escava com as mãos a própria cova 

E depois, a sorrir, deita-te nela! 


Que as mãos da terra façam, com amor, 

Da graça do teu corpo, esguia e nova, 

Surgir à luz a haste duma flor!... 

Florbela Espanca, 

In Charneca em Flor


        MULHER INSPIRADORA

Mulher, não és só obra de Deus; 

os homens vão-te criando eternamente 

com a formosura dos seus corações, 

e os seus anseios 

vestiram de glória a tua juventude. 


Por ti o poeta vai tecendo 

a sua imaginária tela de oiro: 

o pintor dá às tuas formas, 

dia após dia, 

nova imortalidade. 


Para te adornar, para te vestir, 

para tornar-te mais preciosa, 

o mar traz as suas pérolas, 

a terra o seu oiro, 

sua flor os jardins do Verão. 


Mulher, és meio mulher, 

e meio sonho. 


Rabindranath Tagore, in O Coração da Primavera 

Tradução de Manuel Simões



         A MULHER QUE PASSA

 Meu Deus, eu quero a mulher que passa. 

Seu dorso frio é um campo de lírios 

Tem sete cores nos seus cabelos 

Sete esperanças na boca fresca! 


Oh! Como és linda, mulher que passas 

que me sacias e suplicias 

Dentro das noites, dentro dos dias! 


Teus sentimentos são poesia 

Teus sofrimentos, melancolia. 

Teus pêlos leves são relva boa 

Fresca e macia. 

Teus belos braços são cisnes mansos 

Longe das vozes da ventania. 


Meu Deus, eu quero a mulher que passa! 


Como te adoro, mulher que passas 

Que vens e passas, que me sacias 

Dentro das noites, dentro dos dias! 


Porque me faltas, se te procuro? 

Por que me odeias quando te juro 

Que te perdia se me encontravas 

E me encontrava se te perdias? 


Por que não voltas, mulher que passa? 

Por que não enches a minha vida? 

Por que não voltas, mulher querida 

Sempre perdida, nunca encontrada? 

Por que não voltas à minha vida 

Para o que sofro não ser desgraça? 


Meu Deus, eu quero a mulher que passa! 

Eu quero-a agora, sem mais demora 

A minha amada mulher que passa! 


No santo nome do teu martírio 

Do teu martírio que nunca cessa 

Meu Deus, eu quero, quero depressa 

A minha amada mulher que passa! 


Que fica e passa, que pacifica 

Que é tanto pura como devassa 

Que bóia leve como a cortiça 

E tem raízes como a fumaça. 

Vinicius de Moraes, in Antologia Poética


    RETRATO DE MULHER TRISTE

Vestiu-se para um baile que não há. 

Sentou-se com suas últimas jóias. 

E olha para o lado, imóvel. 


Está vendo os salões que se acabaram, 

embala-se em valsas que não dançou, 

levemente sorri para um homem. 

O homem que não existiu. 


Se alguém lhe disser que sonha, 

levantará com desdém o arco das sobrancelhas, 

Pois jamais se viveu com tanta plenitude. 


Mas para falar de sua vida 

tem de abaixar as quase infantis pestanas, 

e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas. 


Cecília Meireles, in Poemas (1942-1959) 


    MULHER BONITA

Estás tão bonita hoje.. quando digo que nasceram 

flores novas na terra do jardim, quero dizer 

que estás bonita. 


entro na casa, entro no quarto, abro o armário, 

abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio 

de ouro. 


entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como 

se tocasse a pele do teu pescoço. 


há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim. 


estás tão bonita hoje. 


os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios. 


estás dentro de algo que está dentro de todas as 

coisas, a minha voz nomeia-te para descrever 

a beleza. 


os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios. 

de encontro ao silêncio, dentro do mundo, 

estás tão bonita é aquilo que quero dizer. 

José Luís Peixoto, in A Casa, a Escuridão


                          

 ALELUIA

Era a mulher — a mulher nua e bela, 

Sem a impostura inútil do vestido 

Era a mulher, cantando ao meu ouvido, 

Como se a luz se resumisse nela... 

Mulher de seios duros e pequenos 

Com uma flor a abrir em cada peito. 

Era a mulher com bíblicos acenos 

E cada qual para os meus dedos feito. 

Era o seu corpo — a sua carne toda. 

Era o seu porte, o seu olhar, seus braços: 

Luar de noite e manancial de boda, 

Boca vermelha de sorrisos lassos. 

Era a mulher — a fonte permitida 

Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo... 

Era a mulher e o seu amor fecundo 

Dando a nós, homens, o direito à vida! 

Pedro Homem de Mello, in Miserere 


POEMA A NÃO SEI QUE MULHER 

Dei-te os dias, as horas e os minutos 

Destes anos de vida que passaram; 

Nos meus versos ficaram 

Imagens que são máscaras anónimas 

Do teu rosto proibido; 

A fome insatisfeita que senti 

Era de ti, 

Fome do instinto que não foi ouvido. 


Agora retrocedo, leio os versos, 

Conto as desilusões no rol do coração, 

Recordo o pesadelo dos desejos, 

Olho o deserto humano desolado, 

E pergunto porquê, por que razão 

Nas dunas do teu peito o vento passa 

Sem tropeçar na graça 

Do mais leve sinal da minha mão... 

Miguel Torga, in Diário VII

 MULHER

Se é clara a luz desta vermelha margem 

é porque dela se ergue uma figura nua 

e o silêncio é recente e todavia antigo 

enquanto se penteia na sombra da folhagem. 

Que longe é ver tão perto o centro da frescura 

e as linhas calmas e as brisas sossegadas! 


O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço 

que no umbigo principia e fulge em transparência. 

Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo 

que em espiral circula ao ritmo da origem. 


Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola 

do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa. 

O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar. 

Quase dorme no suave clamor e se dissipa 

e nasce do esquecimento como um sopro indivisível. 

António Ramos Rosa, in Volante Verde 


  SURPRESA DE SER

Dá a surpresa de ser. 

Cabelos de um louro escuro. 

Faz bem só pensar em ver 

Seu corpo fruto maduro. 


Seus seios altos parecem 

(Se ela estiver deitada) 

Dois montinhos que amanhecem 

Sem Ter que haver madrugada. 


Apetece como um barco. 

Tem qualquer coisa de gomo. 

Meu Deus, quando é que eu embarco? 

Ó fome, quando é que eu como? 

        Fernando Pessoa, in Cancioneiro

         

 LEMBRANÇA

Fui Essa que nas ruas esmolou 

E fui a que habitou Paços Reais; 

No mármore de curvas ogivais 

Fui Essa que as mãos pálidas poisou... 


Tanto poeta em versos me cantou! 

Fiei o linho à porta dos casais... 

Fui descobrir a Índia e nunca mais 

Voltei! Fui essa nau que não voltou... 


Tenho o perfil moreno, lusitano, 

E os olhos verdes, cor do verde Oceano, 

Sereia que nasceu de navegantes... 


Tudo em cinzentas brumas se dilui... 

Ah, quem me dera ser Essas que eu fui, 

As que me lembro de ter sido... dantes!... 

Florbela Espanca, in Charneca em Flor